Leonidas Donskis - Entrevista a Isto é
Membro do Parlamento Europeu desde 2009, o filósofo, teórico político e analista social lituano Leonidas Donskis, 52 anos, é famoso pela veemência na defesa dos direitos humanos e da liberdade civil mundo afora. Em entrevista à ISTOÉ, concedida de Kaunas,
Twitter: @ItapebiAconteceLeonidas Donskis
"Os Partidos que não têm programa adotam o discurso do medo"
Um dos maiores porta-vozes dos direitos humanos no mundo e membro do Parlamento Europeu, o filósofo lituano diz que antes os políticos debatiam ideias, hoje trocam ameaças
por Helena Borges
VITRINE
"A lógica de um programa político de televisão é ter um tipo de
promessa sensacional ou partir para intimidação", diz ele
Membro do Parlamento Europeu desde 2009, o filósofo, teórico político e analista social lituano Leonidas Donskis, 52 anos, é famoso pela veemência na defesa dos direitos humanos e da liberdade civil mundo afora. Em entrevista à ISTOÉ, concedida de Kaunas, na Lituânia, ele fala sobre o uso do medo nas práticas eleitorais e da efetividade das manifestações pelo mundo. Donskis passou grande parte de sua vida entre Estados Unidos, Inglaterra e Suécia e estava em Nova York quando atentados terroristas derrubaram as torres do World Trade Center.
"Há uma crise de representação em todo o mundo, o Brasil não é exceção
Suspeito que a grande votação da oposição esteja relacionada
a um desapontamento com o governo"
Para ele, esse foi o começo do discurso do medo e da intimidação. Casado, sem filhos, ele diz que dedica a vida “inteiramente à mensagem da união dos povos”. Critica fortemente o presidente russo Vladimir Putin, a quem considera uma “ameaça à Europa e à humanidade civilizada”. No Brasil, o filósofo falará sobre tolerância e preconceitos na Festa Literária Internacional de Cachoeira (Flica), que começa no dia 29 de outubro, no Recôncavo Baiano.
"Putin é uma figura sinistra e perigosa, uma ameaça à Europa
e à humanidade civilizada. Se não for parado, ele nos
levará ao apocalipse nuclear"
Quais as consequências do discurso do medo em campanhas eleitorais?
Muitos acontecimentos políticos hoje em dia são reflexo dessa política do medo, da ameaça. Não é algo específico de regiões, já se tornou geral. Os partidos que não têm programa, que não têm absolutamente nada concreto, adotam o discurso do medo. Populistas na Europa usam desse jogo político com a imigração, por exemplo. Outros partidos jogam com medos de desastres ecológicos ou sociais. Cria-se o demônio, o fantasma. Fala-se da existência de um grupo secreto muito poderoso que vai controlar a política ou a economia e que você irá viver sob a influência dessa poderosa organização. Quanto mais perigo você tiver à mão, mais popularidade ganha nas eleições.
Marina Silva, candidata do PSB derrotada no primeiro turno na disputa presidencial, se disse vítima da campanha do medo por parte do PT.
Não acompanho de perto o cenário político brasileiro, seria leviano fazer comentários mais diretos. Mas sei que a política, de modo geral, está se aproximando de um teatro. Pensava que no Brasil os políticos estivessem mais próximos da realidade do que os europeus, mas pode ser que isso esteja chegando com força também à América Latina. Os candidatos tentam transformar tudo em um tipo de ficção. De certa forma, nossas vidas se transformam em uma extensão do comercial. Essa é a lógica de um programa político de televisão, ter um tipo de promessa sensacional ou partir para a intimidação.
A votação da oposição surpreendeu por ser maior do que o esperado. O que isso significa?
Suspeito que esse movimento esteja relacionado a um desapontamento com o governo. Há essa crise de representação em todo o mundo, o Brasil não é exceção, e localmente sente-se que alguém precisa ser culpado. Uma guinada significa que a população não está feliz com a visão do governo e com seus instrumentos.
De onde surgiu o fenômeno da política do medo?
Testemunhei o início dessa tendência no 11 de setembro (data do atentado terrorista contra as torres do World Trade Center, em Nova York, EUA) e pude ver a onda de pânico, medo e ódio. Iniciou-se, ali, uma nova tendência social e política que eu descrevo como multiplicação do medo. Uma linha sensacionalista, pessimista e apocalíptica adotada para que se possa beneficiar politicamente do pânico moral. O medo se tornou uma commodity política muito valiosa, ele vende bem. Se vendido da forma correta, as eleições estão praticamente garantidas. É uma ação de relações públicas, uma manobra. O eleitor é intimidado por um cenário assolador. Mas, então, eis que o candidato aparece como o salvador. Essa narrativa tão simples foi introduzida à política e se tornou parte do show convencional. Candidatos estão muito acostumados a dizer “se meu partido não vencer, esse país irá diretamente para o inferno” ou “esse presidente irá arruinar a economia, simplesmente arruinar!”.
Esse tipo de discurso atrapalha o processo democrático?
Temo que esse procedimento gere uma atmosfera contra-produtiva na política. Antes, os políticos debatiam ideias, eram responsáveis pela qualidade do debate, hoje trocam ameaças. Cria-se um grande desafio à nossa capacidade de lidar de maneira reflexiva com questões políticas. Surtar toda hora e ficar debatendo o fim do mundo não leva a lugar algum. Os exageros – os gritos, os bate-bocas, a oferta de cenários apocalípticos toda hora e todo dia – podem fazer as coisas ficarem bem perigosas.
Por que essa técnica é tão efetiva?
Estamos perdendo a deliberação política. “Eu não tenho as respostas para todas as suas perguntas. Por favor, me dê algum tempo para deliberar sobre isso”, esse elemento está desaparecendo. O medo estimula nossa obsessão por saber, controlar e responder a tudo. Esperamos que os candidatos digam “eu sei isso e posso explicar tudo porque sei o que está atrás de você e o que o aflige”. Por isso, o medo é tão valioso; com ele o candidato pode sair de qualquer situação. Se assustar as pessoas, elas acreditam em você. Esse é o caso de muitos ditadores, que exploraram medos públicos ou particulares. Ou, ainda, desenvolvem outro mecanismo: transformar os pavores particulares em públicos. Pode ser o discurso homofóbico, como a ideia idiota de uma conspiração gay e lésbica para controlar a União Europeia. Ou, num cenário mais antigo, onde os judeus tomariam o poder. Nas duas imaginações, homofóbica ou antissemita, existe o medo.
Um dos pontos de desacordo entre as propostas de política externa dos dois candidatos brasileiros é a relação com a União Europeia, de quem a oposição se aproximaria. Como o sr. avalia isso?
Qualquer aproximação entre Brasil e União Europeia é positiva, uma das melhores coisas que podem acontecer aos dois. O País está crescendo econômica e politicamente, é uma grande promessa para o futuro. A União Europeia, por sua vez, deve ser compreendida como um “soft power” (tipo de postura em relações internacionais que usa a persuasão em vez da força) e esperamos ser um exemplo disso. Não acredito na efetividade de blocos hostis. Queremos mostrar que nosso compromisso é com princípios como direitos humanos, transparência e democracia, o resto se conversa. E, se posso dar algum conselho aos candidatos, é: não tente fazer seu projeto desconexo do mundo, não podemos mais nos fechar em políticas nacionais ou locais. Estamos no século XXI, a economia está completamente conectada, decisões de um país afetam o mundo inteiro.
As ondas de protestos no Brasil e no mundo, nos últimos dois anos, apontam para uma nova organização política?
Posso antecipar mudanças profundas nos partidos políticos se eles não desejam desaparecer da face da terra. Há indicadores da falência moral da forma que eles existiram e agiram até agora. Em muitos casos, não são sequer verdadeiramente democráticos ou responsáveis para com a sociedade. Se os partidos desejam se tornar sensíveis e representativos para seus eleitorados e para a sociedade civil, terão que se misturar aos movimentos sociais ou, ao menos, interagir com eles. Devido a profundas mudanças na cultura e na tecnologia, como a criação das redes sociais, a sociedade adquiriu novas ferramentas para se envolver e participar da política.
Como transformar a energia política que existe na manifestação em algum programa político válido e sólido?
Essa é a questão. Foi assim entre os indignados, na Espanha, em Occupy Wall Street, nos Estados Unidos, e em muitos outros países. Entre as multidões que tomaram as ruas, apenas um pequeno grupo tem ação política de fato para levar à mudança. Sim, é muito bom que se tenha cidadãos expressando sua desilusão e desapontamento, mas isso não diz nada sobre sua habilidade em oferecer uma alternativa.
Como avalia o presidente da Rússia, Vladimir Putin?
O sr. Putin é uma figura sinistra e perigosa, uma ameaça à Europa e à humanidade civilizada. Se não for parado, ele nos levará ao apocalipse nuclear. Ele é um gângster político e um criminoso de guerra com suas armas nucleares. Além do mais, recebe cobertura e é apoiado por forças na Rússia que são impossíveis de descrever de outra forma que não seja o fascismo aberto.
Também o presidente dos EUA, Barack Obama, tem sido atacado pela forma como lida com o grupo terrorista Estado Islâmico.
Obama vive um dilema. Ele é o presidente da paz e não da guerra, criticou seu predecessor por isso e ficaria muito feliz em evitar esse caminho, mas teme um possível genocídio. A intervenção militar se torna importante quando se tenta salvar a vida de milhões de pessoas. Mas os EUA deveriam usar seu poder, sua força e prestígio para tentar criar um Estado viável e normal no Iraque, antes de tudo. Porque o problema vem do fato de que, quando o Estado é muito fraco, disfuncional, que é o que aconteceu no Iraque, gera-se o desastre. Quando não se tem uma organização política viável, é muito difícil contar apenas com o militarismo. Algumas vezes ele ajuda, mas na maioria dos casos não. Não se pode vencer todas as guerras nem levar a guerra a qualquer território. É muito fácil começar uma guerra, mas quase impossível acabar com ela.
ItapebiAcontece / Isto É