Malu Fontes: A polícia presa

03 de Julho de 2017 09h07

Há uma semana, viaturas públicas de Feira de Santana, a segunda maior cidade da Bahia, estavam fiscalizando o transporte clandestino no município. Foi o suficiente para que fossem perseguidas e incendiadas, numa demonstração clara de que cada vez mais o e

Twitter: @ItapebiAcontece





O Brasil inteiro parece ter se transformado em um gigantesco caso de polícia. Da suprema corte do país, o STF, aos assaltos cotidianos em cada esquina, à epidemia de homicídios semanais em cada cidade, tudo parece passar hoje pelo crivo do crime, mudando apenas a escala, a tipificação e a classe social e profissional dos criminosos. Numa mesma sexta-feira gorda, dois ministros togados desataram os nós da lei para um senador acusado de pedir R$ 2 milhões de propina a um empresário e também para um ex-deputado preso por ter sido flagrado correndo de uma pizzaria, em São Paulo, carregando uma mala com R$ 500 mil reais, também de propina paga pelo mesmo empresário.

Sob as bênçãos do Supremo, o senador Aécio Neves voltou a exercer o mandato do qual estava afastado, por decisão anterior do mesmo STF, e o fará sem absolutamente nenhuma restrição, podendo, inclusive, conversar à vontade com seus parentes investigados, a irmã e o primo, incriminados e reclusos com tornozeleira eletrônica, em prisão domiciliar.

HASHTAGS - Assim, de escândalo em escândalo, com centenas de casos de política resvalando para casos de polícia, vai se tendo a impressão de que o Brasil desistiu do Brasil, de que os brasileiros desistiram do país, de que todo mundo tomou o cálice da água do conformismo e todos ficamos plasmados diante da tela da televisão, ouvindo os relatos mais absurdos, alguns acreditando que vamos nos resgatar salvos por hashtags indignadinhas. O crime se espraia em todas as esferas. Roubam-se donativos de vítimas de tragédia. Desviam-se produtos a serem usados na já extremamente precária rede de saúde pública. Saqueiam merenda escolar, desviam gasolina de dutos, verbas para obras que nunca saem do papel. Mercadinhos cujos donos são senhorzinhos simpáticos da vizinhança, volta e meia são flagrados em diversos pontos do país vendendo produtos de cargas roubadas.

 Há uma semana, viaturas públicas de Feira de Santana, a segunda maior cidade da Bahia, estavam fiscalizando o transporte clandestino no município. Foi o suficiente para que fossem perseguidas e incendiadas, numa demonstração clara de que cada vez mais o estado sai de cena, ora expulso pela criminalidade, ora optando por dar os braços a ela e dividir o soldo da ilegalidade. O moleque da esquina acha por bem promover um incêndio só pelo prazer de ver indo pelos ares as chamas do novo mercado de Cajazeiras, com prejuízo público e privado. Já não se pode passear com cachorros sem risco de morrer.

TIRO NO ÚTERO - Não há mais choque nem horror. Fomos nos anestesiando com uma profusão de casos aberrantes e medidas inversamente proporcionais para combatê-los ou puni-los. Quem esperava ver e ouvir provas, registros de mais de uma centena de policiais militares recebendo acima de R$ 1 milhão para permitir que traficantes de várias facções no Rio de Janeiro pudessem negociar seu bagulho sem serem importunados? Em nenhuma ficção se imaginava policiais ordenando que traficantes mandassem seus soldados para o asfalto para praticar assaltos, roubar motos e automóveis das marcas X e Y para, assim, fazerem dinheiro para o arrego (a propina paga à polícia) e porque eles, policiais, tinham interesse nos veículo para uso próprio.

Já não nos assustamos com a matança cotidiana de homens, mulheres, jovens, velhos, crianças, nem com a barbárie como essas mortes se dão. Muito menos com as reações das famílias de mortos sob a forma de barricadas, ônibus incendiados e interdição de vias. Mas algum ineditismo a violência sempre traz: na onda de tiroteios que varre o Rio e sua região metropolitana, nesse final de semana um bebê de 9 meses foi baleado ainda dentro da barriga da mãe. Foi retirado vivo pelos médicos, mas, atingido pela bala na coluna vertebral, já veio ao mundo paraplégico. É o Brasil matando seus filhos de tiro ainda no útero das mães. E quem há de dizer que há sinal de melhora desse cenário?


Por: Malu Fontes

Compartilhe por: